segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Show de Mano Brown leva fãs a Vila Kennedy


O show estava marcado para 22 horas, mas meia noite ainda não se ouvia uma só nota saindo das caixas de som, montadas às pressas na quadra da Unidos de Vila Kennedy, Zona Oeste do Rio. A apresentação prevista nesta sexta, 11, era do rapper Mano Brown, vocalista do grupo paulistano Racionais MC’s.

Vinícius de Jesus, um dos organizadores da vinda do cantor ao Rio, foi avisado no mesmo dia que o show tinha sido proibido pelo comandante do 14º Batalhão da PM, Gláucio Monteiro. Com a proibição, os serviços contratados para o show foram cancelados. O alvará liberando o espaço só chegou às oito da noite, quando Vinícius começou uma árdua correria contra o tempo para encontrar uma equipe que pudesse fazer o som de Mano Brown e seus convidados.

Para o cantor, cujas músicas denunciam a violência e o preconceito contra as classes mais desfavorecidas, o incidente é revelador desta discriminação. “Minha música incomoda muita gente”, avaliou Brown, conhecido por seus problemas com a polícia, que freqüentemente proíbe suas apresentações nas periferias.

Em entrevista exclusiva ao Viva Favela antes do show, Mano Brown falou sobre seu novo projeto, “Suite Music – A força do rap com a potência do soul”, realizado em parceria com o também rapper Lino Krizz. “O nome já diz tudo, é música doce de se ouvir e de dançar. Há uma grande influência da música soul dos anos 70, mas com um compasso contemporâneo tendo o rap como base. É música feita a partir de experiências pessoais, em nossos melhores e piores momentos. Diz muito sobre a solidão, o amor, a família, as belas mulheres”, descreveu.

Seu último show, em uma boate chique de São Paulo, frente a um público classe média, resultou em críticas na mídia as quais Brown responde com certa exaltação. “São jornalistas recalcados. Depois de tanto tempo de estrada tocando em periferias e guetos, é fato nos transformarem em vidraças a partir de atitudes que fogem de nossa ideologia.” Sobre as manifestações que vêm acontecendo nos últimos meses pelo Brasil, o cantor é enfático. “Toda manifestação é válida. Quem deve ditar as regras é o povo. O Brasil é nossa casa.”

Após longas horas de testes de som, Mano Brown e seus convidados subiram no palco pouco antes do amanhecer, sob aplausos histéricos de uma platéia de aproximadamente 1 000 pessoas. Além das músicas do novo projeto, Brown e convidados cantaram peças memoráveis do repertório dos Racionais como “1 por amor. 2 por dinheiro”, “Vida Loka I e II”, “Eu sou 157” e “Jesus Chorou”, deixando o público eufórico.

Apesar do atraso, o público não faltou e veio de diversos cantos da cidade prestigiar o artista. A paulista Alzira Valéria (31), radicada há oito anos no Rio, é moradora da Tijuca, e fã de Mano Brown e companhia desde os 16 anos. Já foi a inúmeros shows, inclusive no Capão Redondo, bairro da região sudoeste de São Paulo onde surgiram os Racionais, no início da década de 90. “Eu me sinto influenciada quando ouço as músicas dos caras. Gosto de várias como ‘Da ponte pra cá’ e ‘Jesus Chorou´”.

Os amigos Sandro Silva (19), Marvin Lobo (18) e Pablo Borges (25) contam que ouvem Racionais desde criança. O grupo influenciou o gosto pelo hip hop, gênero nascido no subúrbio de Nova York. “Eu comecei a ouvir por influência do meu vizinho, que costumava colocar o som deles nas alturas, daí não parei mais de ouvir” revela Sandro. Pablo diz que músicas como a dos Racionais ajudam a criar um senso crítico perante problemas da sociedade. “As músicas do Mano Brown soam como conselho que ouvimos de um irmão mais velho.”


Já Marcos (55), que veio a convite da filha Luana (28), estabelece uma relação de sinergia com o grupo. “A primeira vez que ouvi me causou um impacto. As letras do Mano Brown buscam uma identidade voltada às raízes africanas. Ele é um dos grandes representantes do movimento negro no Brasil."

Ana Flávia (18) foi acompanhada de sua mãe Saiúre (35). Fanática pelo grupo, vê a história contada em “Negro Drama” se confundir com a de seu pai, preso em Bangu 3 há um ano e nove meses. “Meu pai vive muito o que essa música fala. Eu acompanho de perto seu sofrimento. É uma história real que acontece com muitos brasileiros afrodescendentes, que lidam com o racismo de cor e classe social”.


Antes de o show acabar, sob a luz do crepúsculo, o cantor anunciou a próxima apresentação dos Racionais, e convidou a platéia a marcar presença, em referência ao incidente do início da noite. “Dia 8 de novembro quero todo mundo presente na Fundição. A casa vai cair”, encerrou.

Por Guilherme Junior